A casca da lichia

Posted: | Por Felipe Voigt | Marcadores:

Sentado no sofá com uma bandeja de lichia ao meu lado. Geladas, ajudam a amenizar o calor da noite de domingo. É dezembro e o bom de morar no interior é ter acesso a elas de forma mais fácil. É uma boa fruta, que te cativa a conhecê-la ao olhá-la. A cor quente da casca contrasta com o branco cândido da fruta. É daquelas frutas únicas, que você nunca viu igual.

Com um cacho nas mãos, retiro uma. E antes de abri-la, me pego pensando nesse contraste que a lichia é. Sua casca é dura, rígida, áspera. Para abri-la, é preciso jeito e um grau de paciência ou a machucará. Não pode ir com muita sede, pois a casca pode se romper de forma muito incisiva e o conteúdo ficará prejudicado, vazando pelos dedos e sem poder consumi-lo com o mesmo torpor. E sempre há o risco de ter os dedos feridos com essa complicada casca que a cerca.

Mas também é preciso persistência e força senão encontrará outra pele por baixo da casca, ainda mais fina e frágil, mas que continuará a preservar o conteúdo. Ao se retirar a parte dura com muita leveza, a segunda pele se mostrará como uma nova barreira ainda mais complicada de se ultrapassar sem machucar o conteúdo.

Pois a lichia deve ser degustada plenamente, mesmo que no processo de abertura, machuque um pouco seu conteúdo. A forma de sorvê-la deverá ser com muita vontade, consumindo-a em uma bocada que quase a engole totalmente, fincando o dente até o caroço, sem medo ou receio ou amarras. Mas há que opte por mordiscá-la aos poucos, sem cravar completamente os dentes, sugando e mastigando pequenos pedaços até que ela se desfaleça nas mãos.

Muitos desistem de consumi-la, de sorvê-la, de degustá-la, de adocicar-se com seu conteúdo. Desistem pela dificuldade de abri-la. Muitos alegam não saberem ou não precisaram e optam pelas outras frutas de mais fácil consumo, onde suas cascas são rasas, superficiais e leves, o que facilita o acesso a poupa. São frutas comuns, que em qualquer caixote se encontra várias de vários tipos mas sempre iguais no consumo.

A lichia não. É única, exige dedicação, precisa de atenção e paciência. Que se ignore o visual áspero e rígido para provar o mais doce sabor e uma sensação de raro sabor único. Mas frequentemente é renegada, a ponto de perder o vivo do vermelho de sua casca, que com o tempo se transforma em uma cor negra e apagada. Mas o conteúdo segue o mesmo, esperando para ser, enfim, o alimento de uma boca sedenta. Sedenta daquele sabor raro e único, que só a lichia pode dar. É um sabor que nenhuma outra fruta comum irá proporcionar. Essas outras frutas até matam algumas sedes, só a lichia sacia e preenche.

Diferenciada pelo seu conteúdo; escravizada por sua casca.
A lichia é sua própria antítese.

3 comentários:

  1. Espelho Meu disse...
  2. E todo o jeito que você precisa ter ao lidar com a fruta é recompensado pelo seu doce sabor...

  3. Anônimo disse...
  4. que dizer q vc é uma lichia, então? hahaha

  5. Rogerio disse...
  6. Parabéns pelo texto! Uma bela poesia sobre uma fruta, enquanto num único comentário, ironia com direito a erro de português de alguém que nem sequer deve ter lido. :)

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